domingo, maio 06, 2007

Premissas para uma polêmica

Advertência: eis um texto longo, eis um bom sonífero. Não ia mais postá-lo; mas, como deu trabalho, não ia jogar fora. Pena que esqueci alguns argumentos entre ontem e hoje. Divirtam-se e até o ano que vem. ehehehe.

Em quase toda discussão, há estratégias que servem tão somente para desestabilizar o adversário, uma forma de passar-lhe uma rasteira. A mais comum delas talvez seja a de desqualificar o oponente, desautorizando-o por seus adjetivos - circunstanciais, evidentemente:

“Você diz isso porque é branco”.
“Você pensa assim porque não vive a pobreza”.
“Você acredita nisso porque não é mulher”.

Outra maneira (talvez a mesma, talvez sua extensão) é qualificar o oponente com predicados presumivelmente negativos. Quiçá assim ele não volte atrás. Quiçá assim não se sinta um dos lados moralmente superior, ou mais aliviado:

“Esse pensamento é de 30 anos atrás”.
“Você é um moralista”.
“Esse discurso cheira a naftalina, reacionário, de direita”.

Outro dia uma professora disse: “não acredito que você pense como eles [burgueses]”. Primeiro: eu penso com quem eu quiser. Não me sinto obrigado a defender os pobres ou os ricos. Não me vejo obrigado a defender a mim mesmo no mais das vezes, quanto mais aos outros.

Ela ainda insistiu: “você pensa assim porque ainda é primeiro semestre”. E daí? O fato de ser isso ou aquilo não muda a essência do argumento. Amanhã serei segundo semestre, talvez mude até de opinião, mas ela, para todos os efeitos, continuará a mesma, com todas as suas letras.

Tanto lero-lero esse apenas para lançar as premissas para mais uma polêmica. Pinçada de ontem, em voga nas últimas semanas, vejamos se a questão da legalização do aborto acirra os ânimos do nosso queridinho blog manelé.

Como disse ontem, sou contrário a legalização do aborto. Ou melhor, contrário a ampliação dos “direitos” ao aborto. Acho que deve estar como está, ou seja, legalizado em casos de estupro ou de risco na gestação. Minto. Uma só ampliação: em casos de acefalia.

O meu “não” metafísico

Mas vejamos por quê. Em primeiro lugar, a discussão primeiramente discrimina-se numa esfera moral, religiosa e filosófica, ou melhor, numa questão ética. Por ela, basta-me pensar que se não há certeza de quando começa a vida, e até, do que é a vida, é arriscado arriscar.

Explico-me: se não há consenso se o feto é um ser humano ou apenas um pedaço do corpo da mãe, seria demasiado risco, no caso do aborto, dar um tiro e acertar o humano. Ou seja, se nessa discussão há metade de chance para que um dos lados esteja certo, metade da chance será a imposição da morte.

Para mim isso basta. Mas há outra esfera de discussão. Quando digo que a legislação deve estar como está, pode-se questionar: “então você está satisfeito como tudo está?”. Uma questão pragmática, portanto. Não, não estou satisfeito. Mas aqui os problemas são de outra ordem. E me explicarei.

O meu “não” pragmático

Antes de entrar na questão, é preciso pontuar: nenhuma questão pragmática é capaz de anular a questão essencial de qualquer que seja o problema. Não será a inoperância ou nossa incapacidade em lidar com certos problemas que modificará o cerne do que está posto em discussão.

Dito isso, não será pelo número assustador de homicídios entre nós, tupinambás, que o assassinato será regulamentado. Não será nossa incapacidade de coibir o uso de drogas que justificará sua legalização. Assim fosse, para toda incompetência haveria uma legalização: seria a permissividade extrema.


Por isso, não é o número de abortos, e as condições nas quais são praticados, que modifica a essência da discussão. Trata-se isso de uma questão de saúde pública? Sim, evidentemente. E há aqui uma total inoperância ou incompetência do Estado em prevenir e coibir a prática: uma questão administrativa, ora pois.

O Estado não tem tido condições de educar seus cidadãos adequadamente. Isso não é segredo. Argüi-se que, sendo assim, grande parte da população não tem condições de agir adequadamente. Agir adequadamente? Que é isso? Humm. De forma responsável, vá lá, sem por sem mais filhos no mundo.

Mas por que uma mulher escolheria o aborto? Por que ela é dona de seu corpo, pode-se dizer. Mas e o corpo que ela carrega dentro de si - que não lhe pertence absolutamente, diga-se? Aqui voltamos à discussão metafísica. Ver acima.

Pragmaticamente então: por que uma mulher opta pelo aborto? Ora, porque teve uma gravidez indesejada. Por que a teve? Porque o contraceptivo falhou? Essa é uma causa que de tão rara pode ser excluída, representa uma nulidade dentre todos os casos de gravidez registrados.

Então, por quê? Sei que atinge duramente, mas os motivos são o descuido, o comportamento arriscado, a irresponsabilidade, a falta de acesso a contraceptivos, e, muito, mas muito raramente, a ignorância ou falta de consciência.

Pondo a questão em pratos limpos, não há quem no mundo não saiba – vale a piadinha - que pôr isso naquilo, ou para as moderninhas, pôr aquilo nisso, pode levar à gravidez. Pô-lo é sujeitar-se ao risco. É uma decisão - excetuado o estupro, evidentemente.

Pode-se argumentar a falta de informação sobre métodos contraceptivos. Mas, seria difícil encontrarmos entre jovens do meio urbano - onde se encontra a maioria esmagadora dos casos de aborto – quem não saiba que se deve usar a camisinha.

Mas aí vem a questão: nem todos sabem como consegui-las. A questão de não ter condições de consegui-las não cabe, pois é apenas a falta de informação, pois nos postos de saúde consegue-se de graça e em bom número. Mais uma vez, uma questão administrativa: falta informação e distribuição.

Mas, mesmo sem saber que há camisinhas disponíveis, ainda resta a escolha individual: a castidade. Sim, ser casto. Não será trauma nenhum descobrir-se que um maior número de pessoas retém por mais tempo a virgindade. Não é pequeno o número delas que decidem transar depois dos dezoito, p. ex.

Evidentemente que ser moderado depende de educação. Voltamos a um problema de governo. Como esperar responsabilidade se num mundo libidinoso uma enorme parcela da população não tem acesso à educação? É risível ter o comportamento da propaganda – “sem camisinha não dá”, não dê – não é?

Ainda não acabou?

Será, portanto, por nossa incompetência que vamos liberar a prática? Por uma questão de saúde pública, argumentar-se-á. Salvar-se-iam assim muitas vidas. Quem salvaria? O SUS? Eles não têm condições de esterilizar quem o deseja, não tem condições de distribuir contraceptivos, que esperar?

Argumenta-se a partir daí que a legalização abriria uma concorrência. Haveria demanda, a oferta aumentaria, o preço cairia e os pobres poderiam juntar um naco e abortar. Porém, contrapõe-se: quem garante que esse mercado é atrativo?

O custo da saúde, como sabemos, é caro. Não seria surpresa que o pobre fosse excluído novamente. A dona de um cortiço em São Paulo foi presa ontem por cobrar 150 reais por aborto. Quanto isso dá em camisinhas? Daria pra ter uma camisinha para cada dia do ano, ou não? Falta informação e distribuição.

Mas argumenta-se ainda: mesmo que o SUS não esteja preparado para a demanda de abortos caso legalizado, uma só vida salva valeria a pena. Mas vejamos: o investimento que teria de ser feito para preparar o SUS para o aborto não seria mais bem gasto se fosse usado para preveni-lo? Certamente.

Mas, diz-se, a falta de educação produz pessoas que não têm consciência. Bom, se não tem consciência sobre a gravidez, não creio que essa pessoa tenha consciência para decidir sobre a vida. Ou terá? Os adolescentes têm consciência para decidir sobre isso? Com certeza não. Seria a banalização do ato.

Resumindo

Sou contra por uma questão ética e também por uma questão prática. Há milhares de abortos mesmo sem lei que regule. Devem ser coibidos. Impedir que as pessoas transem? Não, de maneira alguma. Condicioná-los que ajam com responsabilidades. Engravidou, assuma.

Isso parece dar margem às estratégias de desqualificação acima: “você pensa assim porque não é mulher”, “ou porque não é pobre”. O aborto para muitos é um subterfúgio para impedir a materialização de um problema. Enquanto assim for, é uma covardia.

O caso evidentemente incide sobre os pobres de maneira especial e a rigor sempre de maneira mais cruel. Mas, na prática, a legalização não mudaria a situação. Quem tem dinheiro, continuará em clínicas particulares. Quem não tem continuaria fazendo precariamente, ou pelo SUS, ou clandestinamente.

Isso é só pra começar, eu esqueci os argumentos que ia lançar. ehehe.

Do egoísta,

Márcio

15 comentários:

Manelé na Tela disse...

Marcinho, moralista! ahahahahah
beijo!

Paulinha, sua arqui-rival nesse assunto!

Manelé na Tela disse...

O que há de errado com a moral e os bons costumes??? Essa mulherada tá muito moderninha. Só quer saber de trepar e passar a faca...hahahaha...

Mas, na verdade, acredito que o argumento do "direito das mulheres" é muito mais utilizado pelas jovens de classe média, que têm na conta o suficente para praticar um aborto, mas prefiriam fazê-lo de forma legal.

Não vou discutir questões éticas, divinas ou mesmo de convicção moral, mas Márcio é mais uma vez feliz em dois problemas: 1) onde começa a vida? E que direito temos nós de julgarmos legal interrompê-la? (se é que já existe vida); 2) Vamos subverter todas as leis que não são cumpridas? Legalizemos, então, as drogas, o aborto, a corrupção, a agiotagem, o nepotismo, e tudo o mais...

No país em que vivemos...

Deduca@soucontraoaborto.com.br

Manelé na Tela disse...

Moralista, conservador, membro da oppus dei!!! Vc só diz isso pq mora no Itaigara!!!

Manelé na Tela disse...

Sou a favor do aborto em todos os casos, todo mundo já sabe disso. Acho (não tenho estatística, alguém tem?) que a maioria das pessoas que abortam são vítimas da falta de informação, de educação sexual em casa e na escola. Não podem ser punidos. E mesmo aqueles que são "culpados" não devem pagar com o parto, filho não é castigo.

Amoêdo

Manelé na Tela disse...

Os representantes do "séquiço" masculino são todos semi-genocidas. Imagine que, em média, são expelidos 75 milhões de espermatozóides numa ejaculção. Um crime, já que cada espermatozoide é uma meia-vida!

Veja a quantidade de mortos em cada masturbação, sexo com camisinha, "nas coxas", "tira antes de gozar", "cheiro do ralo" e outras modalidades anti-germinação!

Não é à toa que a ICAR* é contra o uso de camisinha. Sexo só entre casados e sem proteção para dar continuidade a reprodução humana e a multiplicação de fiés.

A história da mão cabeluda foi uma tentativa de impedir parte desses homicídios.

*ICAR - Igreja Católica Apostólica Romana.

A brincadeira numa discussão tão séria é uma forma de ilustrar a difícil tarefa de responder quando começa a vida. Assim como outras questões menos práticas, mas não menos filosóficas, como: qual o sentido da vida (ver Mont Phyton), de onde viemos, pq estamos aqui, pq nasci no Brasil etc.

Willow

Manelé na Tela disse...

OPINEM SOBRE ESSE E OUTROS TEMAS POLÊMICOS

http://www.pensedireito.com.br/

Amoêdo, fazendo propaganda.

Manelé na Tela disse...

Jacaré parado vira bolsa

Manelé na Tela disse...

Ninguém é punido por fazer aborto no Brasil, ou é? Liberar legalmente o aborto por falta de informação é justificar um erro com outro... Assim como Márcio, acho que as pessoas devem assumir os seus atos... É o que faria se fosse mulher e tivesse uma gravidez indesejada... É o que faria sendo homem e minha mulher tivesse uma gravidez indesejada!

Boréstia

Manelé na Tela disse...

Não acho que o aborto seja um erro.

Amoêdo

Manelé na Tela disse...

Não é apenas um erro, é um erro vital.

Márcio

Manelé na Tela disse...

Volto à pergunta básica. Onde começa a vida? Masturbação seria um erro vital? E a pílula do dia seguinte, que age após a concepção?

Amoêdo

Manelé na Tela disse...

Não, o espermatozóide sozinho não se desenvolve. E a pílula, bem, é apostar no escuro, né?

Mas volto a questão: se não se sabe onde começa a vida, optar pelo aborto é optar, no escuro, pela possibilidade de interromper a vida.

Pela sua opção incondicional pelo direito ao aborto, eu quero crer que você acha que não há vida (ainda) no feto ou no óvulo fecundado. Caso contrário, se você acha que há e ainda assim é a favor, cria-se uma questão moral e semântica: é-se a favor de um assassinato que não chama pra si o nome e questiona o moralismo da sociedade ao assumir o ato?

Márcio

Manelé na Tela disse...

Se não é um erro, então não precisa de justificativas...

Boréstia

Manelé na Tela disse...

Concordo com Alexandre, ninguém tem nada a ver com isso, não precisa de justificativas. Tem que fazer e pronto, decisão da mulher, dona do seu corpo e de sua vida.

Manelé na Tela disse...

O comentário acima foi meu, claro.

Amoêdo