quarta-feira, novembro 14, 2007

Vadão merecia

Em 99 e 2004 estivemos muito perto de sentir esta emoção, mas nossa incompetência, companheira insistente, não deixou.

2004, para mim, teria um gostinho muito especial. Afinal, eu tava lá. Trabalhei por aquilo, obsessivamente, por um ano. Fui e trabalhei em todos os jogos em casa, e na maioria dos jogos fora.

Naquele ano, fui motorista, segurança, espião, psicólogo, torcedor, auxiliar técnico, diretor de vídeo, e, quando dava tempo, assessor de imprensa. Até invadir campo eu invadi.

E fui tudo isso por dois motivos: pela paixão pelo Bahia e pelo Senhor Oswaldo Alvarez, então, nosso treinador.

Em 2004, Vadão fez um trabalho fantástico no meu time. O melhor entre os 19 treinadores que, em seis anos, eu vi passar por lá.

Pegou um clube arrasado pela melancólica e humilhante queda de divisão no ano anterior, e foi extremamente hábil ao conseguir a confiança das duas correntes políticas do clube e tomar o poder para si, sem ferir vaidades dos caciques. E como tínhamos caciques naquele ano.

Vadão não foi só treinador do Bahia. Vadão foi tudo. Cuidava de perto da alimentação à moradia dos jogadores. Implantou uma equipe multidisciplinar. Com ele, pela primeira vez o Bahia teve psicólogo e fisiologista. Ele interligou o futebol profissional e a divisão de base. Dividiu a premiação pelos sucessos do time, os chamados bichos, com os funcionários. Aproximou os atletas dos peões. De mês em mês, o Fazendão era palco de confraternizações, muito churrasco, birita e música, com a presença de atletas, funcionários, comissão técnica e diretoria.

Era dele a última palavra nas contratações, a grande maioria delas justificáveis, pois nas posições que o clube realmente carecia. Com Vadão, o Bahia tinha pelo menos dois jogadores para cada posição. Ele exigia salário em dia, pra todo mundo. “Como é que eu vou ter tranqüilidade para trabalhar sabendo que a tia da cozinha tá sendo despejada?”. Assim ele questionava os diretores.

Com Vadão, o Bahia tinha um padrão tático. Com Vadão, o Bahia não vacilava na Fonte Nova e brocava fora. Com Vadão, o Bahia era o Bahia.

O cara conseguiu, em pouco menos de um ano, o que há mais de 30 os nossos “dirigentes” não conseguem – transformou o Bahia numa empresa harmônica, equilibrada e vencedora.

Eu nunca trabalhei tanto. Além do amor pelo clube e pelo meu trabalho, tinha a satisfação de ver que pela primeira vez no clube eu tava trabalhando pra coisas certas, que tinham uma finalidade, um propósito. Era tudo planejado.

Eu definia com ele os jogadores que seriam mais expostos na mídia em dada semana e os que ficariam fora dela. Ele queria poupar da exposição quem tivesse sendo questionado. E botar os ídolos para porem as caras a tapa. Nunca vi treinador ter essa preocupação.

Diariamente, eu apresentava a ele um relatório com notícias da internet sobre todos os nossos adversários, especialmente o próximo. Quando não achava as notícias na net, eu não me dava de vencido. Corria atrás. E fui antiético. Perdi as contas das vezes que liguei para treinadores adversários e repórteres de outros estados me fazendo passar por André Azevedo, um repórter da Tribuna de Pernambuco, com direito a sotaque e tudo.

E como eu me emocionei em 2004. O Bahia conseguia resultados incríveis. Chegamos a ganhar sete jogos seguidos. 5 fora de casa. Nunca o Bahia ganhara tanto no campo adversário como naquela época. No classificamos para o quadrangular semifinal com a segunda melhor campanha da Série B, melhor média de público, invictos na Fonte. Terminamos a semifinal como líderes. Chegamos com tudo na reta final. Média de 60 mil torcedores por jogo. Francos favoritos a uma das duas vagas em disputa para a elite!

Foi esse sentimento de união, de comprometimento, de orgulho e de amizade por Vadão que me fez executar a maior lambança da minha vida profissional até hoje. Entrei no vestiário, no intervalo do nosso último jogo. Estávamos empatando. Tínhamos acabado de tomar o gol em uma penalidade claríssima. Me deparei com um clima tenso. Jogadores discutindo. Todo mundo puto. O presidente tinha ligado pro supervisor mandar alguém pressionar o árbitro. Vadão ouviu. Quando eu entrei, ele, destemperado, pediu pra q eu fosse lá e peitasse o juiz. Não pensei duas vezes. Esqueci tudo que aprendi que era certo na Facom e na vida. E fui pro palco da maior execração pública da minha imagem. Invadi o campo e parti pra cima do árbitro. Xinguei até a vigésima geração dele. Fui expulso de campo com “roitvailers” da polícia nos meus calcanhares. Só um detalhe: tudo isso transmitido ao vivo pela tv, em rede nacional. Me arrependi pra caralho depois, mas, confesso, fosse hoje, mesmo sabendo que não ia dar certo, faria tudo de novo. Ao menos fica a sensação de ter feito a minha parte.

Não sei porque desgraça, tô cada vez mais convencido de que é mesmo carma, apesar de termos feito tudo certinho, o time não subiu.

A bem da verdade é que, tirando essa parte da maldição, meu amigo Vadão errou. Na reta final, resolveu inventar. Escalou volante no ataque. Inventou de mexer na estrutura tática que vinha dando certo ao longo da competição. Manteve jogador machucado atuando. Afroxou os treinamentos. E, no último jogo, ainda no primeiro tempo, tirou um volante para botar um atacante. Deixou o time vulnerável e perdemos na Fonte Nova quando um simples triunfo nos mandaria de volta à Primeira Divisão e talvez reescrevesse nossa história.

Erros que não abalaram minha convicção – a de que Vadão foi o profissional mais sério e competente que conheci em minha militância no futebol. Fora o fato de ser uma “pessoa humana” (como diria Tony Carneiro... hahaha... ) fora de série.

Erros que também não apagam as coisas positivas do trabalho dele. Uma herança que, se o Bahia tivesse valorizado, certamente não estaria onde está. Vadão saiu do clube como grande vilão. Questionado pela torcida. Espezinhado pela imprensa e pelos dirigentes. O presidente da época apontou-o como maior culpado por nosso fracasso. Não foi. Os amigos não o abandonaram. Na despedida, no aeroporto, quem não era puxa-saco, tava lá. Eu era um deles, apesar da depressão pós-não-subida e da conseqüente raiva da existência da humanidade.

Quis o destino que Vadão desse a volta por cima e levasse o futebol baiano de volta à primeira divisão, não com o Bahia, mas com nosso maior rival. Prova de que soube aprender com os erros. Quer saber? Ele merecia, e muito, mais do que ninguém.

Acabo de ver agora na TV Vadão saindo de campo antes do fim do jogo como CRB, emocionado, cercado por repórteres. Correndo para não participar da festa em campo. Humilde, pois sabe que, sem jogador não se faz nada no futebol. Nada mais justo que eles comemorarem com a torcida. E no meio da confusão, meu amigo e ídolo, sempre pacato e retraído, não se contém, abre os braços e, com três anos de atraso, num misto de alívio, desabafo e emoção, enche o peito e solta: “caralhoooo!”.

Eu aqui do outro lado viajo no tempo e morro de inveja. Puta que pariu, custava ser com a gente? Custava termos subido? Custava termos sentido esse gostinho? A festa não podia ser no vestiário azul, vermelho e branco, há três anos atrás? Eu não podia ta lá agora no vestiário, louco, comemorando? Ele não podia ter soltado o “caralho” antes?

Não vou dizer que torci. Aliás, torci sim, e muito, contra! Meu ódio pela Vitória supera a amizade por Vadão e por qualquer ser humano vivo. Mas agora que não tem mais jeito, fica a satisfação pela volta por cima dele e pela felicidade dos meus amigos rubro-negros, que não sou poucos, e alguns dos manelés são provas vivas disso.

É isso aí. Ano que vem, a corrente pra baixo continua. Resta o consolo que agora meus outros 19 times do coração são de Série A, ou seja, mais fortes. E continuam caindo quatro! Hehe...

Aproveito ainda para, em primeira mão, lançar o grito: "ô... vamu cair negô... vamu cair negô...ô...”


Agradecido a Deus por inveja não matar,


DS.

PS1: Parabéns Vadão.

PS2: Parabéns Vitória, Chico, Boréstia, Zé e cia...

PS3: Apesar da inveja, da falta de perspectiva, da iminente permanência na Série C, da falta de títulos e tudo mais, não troco meu Bahia por nada.

PS4: Nunca esqueçam - tudo que sobe, desce! Infelizmente, a recíproca não é verdadeira....

5 comentários:

Manelé na Tela disse...

Só vc Darino, para amenizar a insatisfação por essa conquista do rival.

Assistir a esses rubro-negros, com as camisas retiradas do armário depois de duzentos anos, sorrindo de orelha a orelha aqui no trabalho, é uma merda!

Ainda assim, estou de luto: calça e camisa pretas. O que resta é acreditar que os deuses do futebol tem um motivo pra dar essa conquista ao Vitorinha da Bahia.

Willow

Manelé na Tela disse...

corrigindo: "têm um motivo"

Willow

Manelé na Tela disse...

Willow, só faltou a cueca vermelha.

Amoêdo

Manelé na Tela disse...

Obrigado, obrigado...

Manelé na Tela disse...

Boréstia