Eu sou aquilo que vocês sou

Eu sou o dono do tempo. Ponteiros me esperam e param a minha espera. Eu não tenho relógio e nem conto as horas; eu digo, “ai, que preguiça!”, sou um anti-herói tupiniquim; “não, acho melhor não”, sou um jeca tatu, assim, em minúsculas mesmo, adjetivado e incorporado ao meu ideário funcionário público.

Tempo é meu escravo e posso passar o dia escrevendo aqui. Talvez conte dos discos que não tenho e dos livros que não pude ler nem comprar. Quem sabe conte nos dedos das minhas mãos o número de camisas que eu tenho no guarda-roupa e o número de buracos que, assim como nos sapatos, carrego nas mangas.

Como sempre faz, meu irmão chegou ontem do trabalho de noite com um big mac em mãos; eu tive inveja. Ele deitou no sofá de barriga cheia, e como de costume, foi assistir a seu programa favorito: mega construções. Foi só o tempo de lhe falar, “o Barcelona jogou muito hoje”; em cinco minutos ele dormiu.

No dia seguinte, como sempre, ele acordará às cinco para trabalhar por mais dez; com intervalo no Boi Preto. Eu de novo terei inveja do big mac. Mas, no entanto, ano que vem é Copa e posso assistir toda ao vivo; direi: “eu não me estresso; não odeio meu colega de trabalho; e li o livro que você não leu por falta de tempo!”.

Poderia continuar escrevendo; mas não, eu tomei outra decisão. Uma decisão diferente da sua; pelo menos por enquanto. Vamos ver. Por hora calço all star, visto camisa furada, escrevo em blog coletivo e tenho medo do futuro. Sabe, eu levo uma vida pacata e poderia até deixar o porvir para o futuro, mas conto a minha vida aqui:

do primeiro dia aos dezoito, cresci; dos dezoito até hoje nada fiz; aos trinta e cinco arranjo um emprego, e aos quarenta escrevo um livro; aos quarenta e cinco o queimo e aos cinqüenta compro um terno e ouço mpb; aos sessenta anos escrevo uma poesia, que talvez recite aos setenta e quatro; não sei se chego aos oitenta.

A minha vida é uma leveza; um dia eu saio por aí voando...

Márcio