O buraco é mais embaixo
Em ano eleitoral é muito comum ler e se divertir com manchetes e piadas sobre a conjuntura política brasileira e suas princicipais personagens. Frases, mísseis, para um lado. Denúncias, bombas, para o outro. Enquanto isso PSDB e PT disputam entre si a governança do país a 12 anos, e nem a agenda de notícias e nem a opinião pública – e intelectuais, artistas e quem seja – se desvinculam da busca maniqueísta entre quem é o bem e quem é o mal nessa disputa promíscua pelo poder.
Daí em diante, marcado pela ausência de debate, a democracia representativa é cristalizada como ápice das liberdades indivíduais e figura como modelo ainda inquestionável de organização política, na esfera pública, tanto no Brasil como em toda a América Latina.
A sangrenta recontista da democracia foi e deve ser louvada por todos os cidadãos. Louvação aos Direitos Fundamentais e a Declaração Internacional dos Direitos Humanos. Mas essa reconquista teve sua fundação estruturada em alicerces desde já corrompidos pelos antigos regimes autoritários. Práticas de uma gerência lesiva intra-estruturalmente legitimou o aparelhamento das forças democráticas do Estado a interesses financeiros individuais e partidários. Vai um exemplo: durante a abertura política foram distribuídas concessões de rádio e tv para poíticos (TV Bahia – para um ex-ministro das comunicações).
A democracia corrente na América Latina se tornou um conjunto de procedimentos minimalistas, sem nenhum valor substantivo, que garante o funcionamento de arranjos institucionais possibilitando aos indivíduos organizados em partidos o direito de disputar, por meio do voto, o poder de decidir pela maioria.
Além do mais, são parcos e ineficientes os instrumentos de intervenção no poder por parte da população: referendo, plebiscito e iniciativa popular são peças decorativas, quase esquecidas por falta de operacionalidade e de credibilidade.
Loco por ti
Mas por que a conquista da democracia representativa na América Latina não consegue se traduzir em desenvolvimento social?
De uma herança militarista, destacada economicamente por uma crescente e dominadora abertura de mercado tangenciada pela guerra fria e geradora da absurda dívida externa do continente, à reconstrução da democracia, com seu modus operandi do regimento político comprometido pelo interesse privado, a governabilidade passou a ser carta marcada por barganhas, lobby, negociatas paralelas e acordões entre partidos e os agentes representantes do povo.
As nuances políticas apresentam as regras tácitas de um ludíbrio historicamente dado, ao prazer e enriquecimento da minoria. É aí que entra a contradição petista. De pedra a telhado de vidro. O PT não soube, ou não quis, dirigir sua governança fora das regras pré-estabelecidas, abandonando a inocência e retórica de outrora, base sólida de uma identidade sobranceira e popular. Soube sim, aproveitar-se da autoridade e promover ingerências cruzadas no poder público.
E agora José?
Erro. Crime. Eleições em voga. Alckmin e Lula. PT ou PSDB? Difícil ser mortal nessa hora. O bombardeio continua, e ninguém cai. O congresso queima em absurdos e ninguém é sequer cassado. Nós sambamos. Matou-se os mitos: José Dirceu, o gangster “muderno”; Roberto Jefersson, o suicida, que peidou na farofa só pra não se melar sozinho. A oposição vocifera aos prantos e vota escondido as resoluções punitivas do parlamento. Quem não deve não deveria temer. Então nos resta o lamento, pois já surgem as primeiras denúncias de corrupção envolvendo o tucano da vez e o banco paulista Nossa Caixa, vestidos Daslu para primeira dama e tudo mais.
Aliás, o tucano que ganhou vez, só ganhou vez apenas porque José Serra cometeu o erro político – veja que irônico! – de registrar em cartório uma promessa de campanha: não abandonar o governo da cidade de São Paulo antes do término do seu mandato. Só rindo. Aí nem o professor FHC achou uma tese para dar rumo as aspirações presidenciais do garoto. Tá amarrado e explicado.
Sim, falei em FHC. Em 8 anos de governo, levou a risca a teoria de que a administração pública tem por missão não servir a toda a sociedade, mas fornecer bens e serviços a interesses setoriais e a clientes - consumidores, acarretando no aumento do abismo social entre as regiões do país, favorecendo a concentração de renda desconjuntada da nação e a explosão da dívida interna por meio dos juros altos. Segundo os números oficiais, no final de 2002 os juros eram de 25% ao mês, chegando a picos de 40% durante a gestão. Discurso nada autoritário que apertou a camisa de força.
A nova onda latina
A eleição de Lula representou, ainda que simbolicamente, a chegada de um operário no poder. Esse foi um fato inédito na história do continente. Importante na formação de um novo quadro político na América do Sul, com ideais de esquerda. E não deve ser desprezado sem uma reflexão delicada diante das possibilidades que se configuram a partir daí. Pensar o Brasil apenas fronteira a dentro é um equívoco. Os projetos políticos devem ser pensados em escala internacional. Estamos numa instância globalizada, com tensas implicações mercadológicas, em que sujeitam as ações exclusivamente nacionais a não importarem em força suficiente para uma verdadeira e profunda transformação social a qual ansiamos. Vide fome zero, bolsa família, etc., etc...
No entanto, as eleições de Michelle Bachelet e Evo Morales, no Chile e na Bolívia, somadas aos governos de Hugo Chávez, na Venezuela e Lula no Brasil, demonstram uma ascendência instigante para a constitução de uma força política internacional das populações ameríndias e da classe proletariada, na América do Sul. São países sub-desenvolvidos que formam mais do que um bloco econômico a ser tutelado pelas relações cambiais, mas um mercado atraente a setores estratégicos da economia mundial e que demonstram ter, este mesmo mercado, a devida consciência de seu vigor coletivo, enquanto oposição ideológica frente as grandes instituições financeiras internacionais.
Sabemos todos disso: a ética não é a moral, e muito menos a honestidade. Mas entre discursos e indignações é preciso ter cuidado com a demagogia. Fugir do maniqueísmo é preciso ante a discussão e o aprofundamento de uma reforma polítca séria no modelo representativo democrata. Caso contrário, nem PT nem PSDB... e continuaremos a votar nulo até os 65 anos, quando teremos o direito ao gozo de não mais se manifestar políticamente em convocações oficiais.
Cdr.
“e no centro da própria engrenagem inventa a contra-mola que resiste”
terça-feira, abril 11, 2006
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4 comentários:
Eu vivo sempre no mundo da luuuaaa.
Muito boa essa colagem
Essa tal de União Andina ou esse tal de movimento “bolivariano” não dizem respeito ao Brasil. Quanto mais nos separarmos deles melhor. Certo é o Chile, e certo foi o Brasil, por preferirem distanciamento desse bloco, populista e, por insignificância, irresponsável.
Os Chilenos, mesmo, não nutrem lá suas simpatias, por exemplo, pela Bolívia e o Peru, inimigos históricos (chegando a entrar em conflitos bélicos no último século – a campanha no Peru, inclusive, alimenta essa rivalidade com o Chile, que lhes tomou um pedaço do mar).
O Brasil, por sua vez, nem com os outros países latinos se identifica. Quem é Simon Bolivar, pelo amor de deus? Se não tivesse estudado no México, o ignoraria completamente. É mais fácil vender o Brasil como Brasil, isolado na sua brasilidade, do que como América Latina.
Mesmo a questão geopolítica ser de vital importância nesses idos, pro Brasil é melhor fortalecer relações com o Uruguai, o Chile, a Argentina, o Paraguai e com a Colômbia. Melhor manter distância de indivíduos como Evo, Chávez e Fidel: melhor manter a responsabilidade.
M.
hahahaha... civilidade é folclore educativo. por aqui ninguém quer saber quem é simom bolivar. apenas que 21 de abril é feriado.
o que destaco é o fato desses países sofrerem do mesmo mal econômico... grande concentração de renda, dívida interna crescente e economia ditada por negociações da dívida externa. só isso...
a formação econômica da a. l. é no mínimo similar. nossos credores são os mesmos... a estrutura poítica é igual... de todos... inclusive da argentina... que nós amamos muito, diga-se...
o brasil não tem forças pra sair da crise. aliás, o brasil é um projeto político que não deu certo... faliu... do regime militar (responsável em ampliar em 50 vezes a dívida com o exterior), á sarney, collor, itamar, fhc e lula... se vc não percebeu as coisas não mudaram de orientação econômica...
eu lamento a postura do governo atual... rejeito por completo... vejo com clareza que tudo o que circunda a disputa pelo poder como uma chuva de demagogia... ninguém foi pinido nessa merda e não adianta a opisição espalhar frases pelo ventilador... votação secreta e as porra...
e responsabilidade? o que é isso? o que temos é uma responsabilidade em furtar o país a mais de 500 anos... com esse papinho bonito...
cdr.
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