Jarbas Passarinho *
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Fernando Henrique Cardoso, quando presidente da República, criou as "indenizações para quem tivesse sido vítima de violação dos direitos humanos" no período do ciclo militar. A justiça obriga a confessar que indenizações discutíveis, a petroleiros comunistas, que haviam sido demitidos da Petrobrás, com todos os seus direitos trabalhistas respeitados, já haviam sido conferidas ao fim do ciclo militar. Com Fernando Henrique, a maioria dos beneficiados somou indenizações e pensão vitalícia considerável e isenta de Imposto de Renda.
As comissões encarregadas das apurações foram dirigidas por ressentidos e, pois, facciosos. Ler os despachos daria uma idéia precisa do juiz que colocava a paixão acima da realidade. Dos mais recentes, comentei um que concedia o posto de general, para efeito de vencimentos, ao capitão Luiz Carlos Prestes, "saudado como um herói a quem muito devia o Brasil". O presidente da comissão, é claro, tinha em Prestes o paradigma de suas próprias convicções políticas, ele que foi secretário-geral do PCB e dedicou sua vida à União Soviética, onde gozou de grande prestígio. Lá é que se justificaria a honraria, não aqui.
No ciclo militar, em 1979, havíamos votado a anistia. Líder do governo Figueiredo, eu a defendi da tribuna. Foi mais ampla que o substitutivo do MDB, o que reconheceu publicamente Thales Ramalho, então seu secretário-geral. Anistiou, também, os chamados crimes conexos, que tanto os insurretos como as forças de contra-insurreição, numa luta armada irregular, haviam cometido. Se esses excessos configuravam violência contra os direitos humanos, pelos legalistas, os terroristas fizeram igual ou pior. No Recife, no aeroporto, detonaram maleta com explosivos, causando mortes e ferimentos graves. Em São Paulo, lançaram carro-bomba contra o quartel do Exército, cuja explosão esfacelou o corpo de um soldado sentinela e feriu gravemente outros cinco deles. No Araguaia, fatiaram com facão, até a morte, o corpo de um menino de 17 anos, na presença de seus pais, porque servira de guia à patrulha que perseguia os guerrilheiros do PCdoB. Mataram, na presença de sua esposa e de seu filho de 9 anos de idade, um oficial americano, julgando-o agente da CIA. Tiraram a vida de um major alemão, aluno da Escola de Estado-Maior do Exército, supondo que fosse outro oficial, boliviano, acusado de prender Che Guevara, o que nunca se deu. Alguns desses terroristas ainda estão vivos, contando tais proezas.
O presidente Figueiredo pensava na anistia como esquecimento de tudo isso e a reconciliação da família brasileira. Assim foi entendida e sinceramente respeitada pelos militares. Condecoraram, paradoxalmente, com a Medalha do Pacificador, José Genoino, guerrilheiro do Partido Comunista do Brasil, preso no Araguaia. Conviveram com ex-guerrilheiros comunistas, alguns ministros de Estado. Aceitaram pagar o preço da incompreensão, do ressentimento e das provocações, na esperança de cicatrizar as feridas da luta que não desencadearam. Mas acabaram vendo que fora enorme ilusão confiar no esquecimento. As denúncias mentirosas sacrificaram a carreira de oficiais brilhantes. As poucas que teriam sido verídicas puseram em evidência a acrimônia e o revanchismo. A disciplina e o respeito pela hierarquia, os dois pilares essenciais para a carreira das armas, fizeram suportar o ódio ainda remanescente. Silentes, viram o Tesouro ser assaltado para premiar requerentes de indenizações vultosas que provocaram, de um escritor e mestre do senso de humor, a facécia adequada: "Não lutaram, fizeram um bom investimento." Quando Prestes saltou de capitão a general, chocaram-se. Mas, pouco depois, veio o inconcebível: comparar Prestes com Lamarca, oficial medíocre, desertor, ladrão de armamento e munição de seu Regimento de Infantaria, assassino várias vezes, de modestos vigilantes de bancos e de segurança de diplomata seqüestrado, e autor do mais nefando crime militar, ao despedaçar, com coronhadas de fuzil, o crânio de um bravo oficial da Polícia Militar de São Paulo, que se apresentara voluntariamente como refém, para poder evacuar os soldados que haviam sido feridos pelo facínora e seu grupo. Pois foi esse frio assassino que se premiou duas vezes post mortem, fraudando a lei que rege as promoções do Exército. Não tendo feito a Escola de Aperfeiçoamento (pois a trocou pela clandestinidade e por seus crimes hediondos), não poderia ser coronel nem deixar pensão correspondente a general. Mas um ministro pretendeu justificar a aberração dando-lhe, como galardão, o título de "o maior exemplo da luta radical contra a ditadura".
A provação foi coroada por um lançamento, no Palácio do Planalto, presente o presidente da República, do livro Direito à Memória e à Verdade, escrito por alguém disposto a retratar o Exército, como Márcio Moreira Alves o chamou, de "valhacouto de bandidos". Winston Churchill, revoltado com o facciosismo do historiador Macaulay, disse: "Esse historiador, apesar do estilo cativante e de sua inaudita suficiência, deixava-se às vezes empolgar pela imaginação, que ele considerava superior à verdade, e denegria ou glorificava os grandes homens coletando documentos segundo as necessidades da narrativa". É o caso desse livro, que esquece os crimes dos terroristas. Pior ainda quando o ministro Nelson Jobim, meu amigo dos tempos da Constituinte de 1987-88, a quem sempre muito admirei, se destemperou e ameaçou com represália "o indivíduo que possa reagir" ao livro. Nos meus 87 anos, já fui tratado, governador, ministro e senador, por Excelência. Hoje, simples indivíduo, ouso criticar quem, como Macaulay, coleta dados para denegrir a honra do Exército que sempre amei.
* Jarbas Passarinho, ex-presidente da Fundação Milton Campos, foi senador pelo Estado do Pará e ministro de Estado.
Márcio
terça-feira, setembro 04, 2007
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4 comentários:
Prezado Jarbas Passarinho,
Morro de pena dos militares que tiveram que conviver com ex-gerrilheiros, malditos assassinos. Já os tais ex-gerrilheiros provavelmente deveriam se sentir honrados por dividir a mesma sala dos militares. Esses sim, que nunca atentaram contra a dignidade da pessoa humana.
Não esqueçam nunca mesmo. "Passamos" por um regime não democrático, violento, assassino e totalitário. Claro, não vamos esquecer que a sociedade reagiu e alguns, isso mesmo, alguns ultrapassaram limites, muito cruelmente, como destaca o Senhor Jarbas.
Elencar atitudes desumanas como estas, daqueles que lutavam contra o golpe é válido para discussão, mas neste texto me parece mais um recurso dramático. Cortaram um menino com facão, sim, é bizarro, é atroz. Mas, senhor Jarbas, nesse caso, desumanizar os guerrilheiros não vai tornar os militares a vizinha velhinha meiga que traz doces.
O senhor parece querer demonstrar que o crime hediondo era prática generalizada dos gerrilheiros, mas entre os militares era fato isolado. Nananinanão, senhor Jarbas.
Também vou usar um recurso bacana. De contestar a capacidade do autor. Aí vai:
O Senhor, que como ministro, não acrescentou nada à estabilidade econômica nem à redução das desigualdades sociais no Brasil, pelo visto também não está nem um pouco a fim de esquecer os gerrilheiros. (isso vinha no início, hehehe)
Willow
PS: Acredito que para Jarbas admitir a crueldade e o equívoco da ditadura militar é admitir a sua própria culpa. Ou seja, desacreditar a sua história de vida. Espero, senhor Jarbas que passe a eternidade com a culpa do mortos que vc ajudou a esconder e tantos outros que a sua conivência permitiu que fossem torturados e brutalmente assassinados.
Um pouco mais sobre ele:
Ex-senador, ex-governador do Pará e ex-ministro, Jarbas Passarinho, 84 anos, é um dos últimos remanescentes do regime militar. Participou do movimento que precedeu o Golpe de 1º de abril 1964. Ao longo dos 20 anos de ditadura, ocupou três ministérios importantes, em governos distintos do regime: Trabalho, no governo Arthur Costa e Silva (1967-69), Educação, com Emílio Garrastazu Médici (1969-74), e Previdência Social, nos tempos de João Baptista Figureiredo (1979-85).
Ainda um pouco mais sobre o Senhor Jarbas:
http://www.radiobras.gov.br/especiais/Golpe64/golpe64_jarbas.htm
"O presidente Figueiredo pensava na anistia como esquecimento de tudo isso e a reconciliação da família brasileira".
Amoêdo, emocionado.
Jarbas Passarinho me faz recordar aquela coluna de Alexandre Garcia. De tanto falar besteira, o baixinho careca estava em quase todas as tiradas indiscretas do Fantástico... À época, eu mal sabia que se tratava de um dos caras que planejou o AI-5, de Médici. Numa sala, com o presidente e mais três ou quatro ministros, macomunou o mais poderoso instrumento de censura da República
Boréstia
que cara de pau...
Dad� Prestes
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