Há tempos que não assistia ao Roda Viva. O programa estava chato, Lilian Wite Fibe estava péssima como apresentadora, os entrevistados não empolgavam e os entrevistadores eram fracos.
Hoje parei para ver a entrevista com o técnico do Corintians, Mano Menezes. Excelente programa. Fiquei surpreso com a lucidez do treinador. Eu até já gostava dele, só não imaginava que ele fosse de tal forma inteligente.
Tudo bem que é futebol, mas, se as pessoas fossem tão lúcidas com as atividades que desempenham quanto ele, as conversas seriam mais interessantes, e as discussões, mais proveitosas.
Dentre as coisas que ele falou, lembro de algumas, que posso resumir (não com todo o rigor):
1. O fato de ter o cuidado de não levar ao seu twitter informações privilegiadas, evitando assim "furar o furo" dos jornalistas; afinal, isso seria muito fácil, ele é treinador e é fonte privilegiada de informações, por isso tem o cuidado de separar as coisas: sua função é dirigir times, e não dar furos jornalísticos com suas próprias informações.
2. Sua opinião de que há conflito ético entre a atividade de técnico e a de agenciador de jogadores. Ele acha necessário uma regulamentação para deixar claras as regras, mas ao ser questionado se esta seria para proibir que alguém acumulasse as duas funções, ponderou que uma proibição não resolveria o problema, pois haveria como indiretamente burlá-la, como por exemplo através de outros times, que inflam jogadores somente para vendê-los. A questão é: não vale proibir por proibir, regulamentar é deixar claras as distinções.
3. Questionado sobre a prática da concentração de jogadores no Brasil, se elas não seriam excessivas, e se isso não configuraria uma falta de confiança na responsabilidade pessoal dos jogadores, Mano fez questão dizer que o jogador brasileiro não tem essa responsabilidade toda não. Apesar de deixar claro que o objetivo da concentração não tão-somente o de afastar jogador de boate, foi categórico: O futebol é bastante paternalista. E foi sincero: "tem jogador que, ao final da carreira, não sabe redigir um documento".
4. Mano ainda explicou por que não recebe torcedores. Ele separa as coisas. Criticou o fato de os clubes não assumirem certas responsabilidades, deixando espaços que acabam sendo ocupados por torcedores, como já haviam sido ocupados por agenciadores, e com competência. O torcedor dissimula intimidação em sua suposta paixão pelo time, e nem todos podem se arvorar a representantes de toda uma torcida.
5.
5. Ao responder uma pergunta em que a entrevistadora falava da tão famosa característica corintiana de ser sofredor, explicou como certas expressões e costumes devem ser combatidos. Foi o caso de uma expressão que observou recorrentemente no Corinthians. Diziam, jogadores e dirigentes, "ahh, no Corinthians é diferente". Por trás dessa expressão estava uma cortina que pretendia esconder os erros e defeitos do clube e dos jogadores.
6. Contra a demagogia implícita na questão sobre como se sentia ao fazer parte de uma das profissões mais bem pagas do Brasil, Mano se disse satisfeito. Mas lembrou: faço parte de uma minoria de técnicos que ganha bem, uma minoria de 3%. Como só temos contato com a elite do futebol, esquecemos da maioria que não ganha nada. E, diante de uma pergunta nesse sentido, disse ser contra a estipulação de um teto salarial no futebol. Não devemos impor artificialmente uma realidade, pois de um jeito se fura o teto, "de que serviu manter a paridade com o dólar?". O mercado é que regula.
7. Por fim, para não me alongar nisso, ao explicar por que abandonou cedo o futebol para fazer educação física, lembrou que um companheiro de clube no interior gaúcho, jogador com 10 anos de carreira, um dia chegou e lhe disse: os frutos de minha carreira estão todos ali, no fundo da minha pickup. Como esse companheiro era melhor do que ele próprio, ele viu que não era aquilo que queria para sua vida: "eu não conseguiria nem comprar o pneu!".
Acho que por aqui basta. O cara ganhou alguns pontos comigo.
Márcio